terça-feira, 18 de outubro de 2011

DÁDIVA


Reynaldo Gianecchini, declarou sobre o câncer:


"É um diagnóstico que assusta. Primeiro, porque não pensamos que podemos ter um câncer e, segundo, porque é uma doença que tem um estigma. Mas acredito que ela possa ser uma dádiva. Eu e minha família fomos buscar uma força que talvez a gente não soubesse que existisse", contou

Dádiva?

Como um cara que é modelo da imagem que “todos” gostariam de ser hoje, bonito, bem sucedido, rico, desejado, admirado, pode dizer que uma doença que pode ser fatal, além de todos os efeitos colaterais que provoca (bem antagônicos ao modelo de consumo), é uma dádiva?


Lendo o blog do Carlos Maltz, (psicólogo, astrólogo e mais conhecido como ex-baterista dos Engenheiros do Hawaii), me deparei com um texto dele que fazia uma citação a um livro chamado “A Força do Caráter” de James Hillman, no qual ele defende que “a velhice não é acidental, é algo necessário à condição humana, pretendida pela alma.”

Nesse contexto Maltz questiona:

“a velhice é algo PRETENDIDO pela alma? Pretendido? Quer dizer... Desejado? A alma deseja a velhice? Quem é essa tal de alma, de que lado ela está jogando? Por que a alma desejaria a velhice? Qual é a vantagem evolutiva da velhice? Por que razão uma mulher linda, maravilhosa, desejada, poderosa, precisaria passar anos de sua vida sem a sua beleza e poder, e ainda depender do amor dos seus filhos (filhos?) para ter um pouco de carinho e afeto verdadeiros, quando isto é a única coisa que realmente necessitamos?

Por que razão um homem voraz, riquíssimo, poderoso, um garanhão, precisaria passar por alguns anos de sua vida sem poder usar o seu poder para nada além de conseguir furar a fila do urologista, e ainda depender do amor dos seus filhos (filhos?) para ter um pouco de carinho e afeto verdadeiros, quando isto é a única coisa que realmente necessitamos?”

Aí vem Gianecchini e declara que sua doença seria uma dádiva. No Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa:

dá.di.va
sf (lat med dativa) 1 Dom, presente. 2 Donativo.

Ou seja, Gianecchini disse que sua doença pode ser vista como um “presente”, um “donativo”.

Plagiando Maltz, questiono: como um cara bonito, rico, admirado e desejado pode considerar como um presente uma doença que o deixa careca, fraco, feio, sem disposição e que pode levar à morte?

Na mesma declaração dele vemos as palavras “família” e “força” juntas. Uma pista?

Aí voltamos ao texto do Maltz e lemos “um pouco de carinho e afeto verdadeiros são as únicas coisas que necessitamos”.

Então será que mesmo para um cara que tem sucesso, dinheiro, mulheres, sexo livre e à vontade, fama, bajulação, no fim das contas a força da família, afeto e carinho verdadeiros são as coisas de que mais necessita? E será que enxergar isso (mesmo através de uma doença), é a dádiva a que se refere?

Parafraseando Maltz mais uma vez, porque será que numa sociedade que cada vez mais valoriza fama, dinheiro, culto ao corpo, sucesso, imagem, os nossos índices de depressão e ansiedade não param de crescer vertiginosamente?

Será que precisamos de uma “dádiva” para enxergar do que realmente necessitamos?

Não dá para ver e agir agora?

“!Parte! Chega perto, arde
Pra quem acorda nunca é tarde
Age hoje, ergue, invade
É tempo de romper a grade, outra vez”
(!Parte! – Ilhados Aqui)